
...Foi há 48 anos!...
"[...]os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu..."
"[...]
A 16 de Novembro de 1964, avistei dois charutos estampados no escuro do céu, de forma difusa, que aparentavam dois cigarros acesos atirados ao ar, desde o fundo do aquartelamento. A recriação, mais ou menos fiel dos Fortes de defesa contra os Índios, em que a paliçada era construída de troncos de Palmeira, que, como se sabe, são moles e duram cerca de três meses; aquelas tinham mais que isso. Portanto, eram apenas uma defesa psicológica.
Acordei. A Rádio Portugal Livre (*) havia sido extremamente suave e comedida no seu estilo linguístico.
-Fogo! Rápido!
Os objectivos estavam todos (todos, mesmo) planeados, para obstar a continuação do fogo de Morteiro. E assim foi. Mas o caso era muito mais sério, porque deslocaram para a orla da mata muitas metralhadoras pesadas (incluindo quádruplas, destinadas a tiro antiaéreo) que nos fizeram lembrar que o pior estava para vir. A densidade de fogo era tamanha que a iluminação e as antenas do Posto de Transmissões foram destruídas. Chegaram a ter metralhadoras pesadas no perímetro interior do arame farpado (havia duas barreiras aos 30 e 60 metros).
Bem, chuva miudinha, molha tola, e as calças do camuflado completamente secas. Demos o nosso melhor, fazendo tiro, a olho, para os locais em que as pesadas cantavam e chegamos até ao incrível (perigoso e inseguro, embora tivesse a consciência disso) de fazer fogo para as pesadas, dentro do perímetro de segurança. Tínhamos os Morteiros sobreaquecidos, alaranjados…
O inesperado aconteceu. Uma granada não percutiu. Tirei o blusão do camuflado e fui afastado pelo cabo e dois soldados que me pediram para continuar com os outros dois Morteiros. A munição foi retirada com sucesso; no entanto, por precaução, colocamos a arma fora de serviço. Quando arrefecesse, logo se veria.
Foram 216 granadas, durante as duas e horas e vinte que durou o ataque. Depois, de repente, o silêncio expectante e caricato da noite africana.
Apenas nos restavam munições para, naquele ritmo de fogo, mais cerca de 15 minutos. Se não fora a batota calculada... Aguardámos algum tempo e tentámos, mais vigilantes pela falha na iluminação exterior, retomar o nosso ritmo normal no meio dum escuro e sepulcral silêncio.
Voltamos ao Noticiário da Rádio Portugal Livre (*), que estava prestes a começar. Uma gargalhada geral ecoou por aquelas bandas. Não é que o ilustre locutor (**) nosso conhecido, acabara de declamar: ”A Ilha do Como acaba de ser libertada. As tropas colonialistas foram completamente derrotadas. Não há sobreviventes.”
- Então, eu estou morto!
"[...]"
(*) Rádio Voz da Liberdade
(**) Manuel Alegre
Para ler todo o Relato, p.f.colar e seguir o Link
(em
LIVRO PDF, extraível)
http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/PelMort912_upd3.pdfhttp://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/PelMort912_upd3.pdf
Ou,
http://carlosilva-guine.com/index.php?option=com_content&view=article&id=75&showall=1
A Pátria, sou eu, és tu...
Me envergonha a vaidade
E me orgulho, poder tê-la.
Esta, a Noite da Verdade,
A minha dualidade
Salvou, em vez de perdê-la,
(A Vida) na minha idade…
Valente, gente, valeu
O que vale aos vinte e três…
Infantes, melhores do que eu,
Que nesta noite de breu
Tanto porfiou e fez
Que a minh’alma cresceu…
Aqui, na ilha do Cômo
De mata densa e fechada,
E lama, e moscas, e nada...
O Quartel é um assomo
De uma frágil paliçada.
As Armas quase fundiam
De tanto fogo lançar.
Portaram-se como deviam;
Agora, vão descansar.
E eu, terei de esconder
A verdade da façanha,
Pois me houve alguma manha
Em guardar as munições
Para tais ocasiões...
Com a Lei em trinta e seis,
(Um valor pouco seguro
Para defesa no escuro)
Duzentas e dezasseis
Partiram p’la Boca fora
E mandaram tudo embora…
Destroçados, acabrunhados,
Depois de muitos minutos,
(Quase na terceira hora)
Mais molhados que enxutos,
Partiram sem um lamento
Deixando, por testamento,
Não haverem mais Soldados,
No local onde me sento.
Morto não sou, porque vivo
E isto escrevo e digo!
As traições a camaradas
Não se apagam nem esquecem
Por mais ou menos palavras
Ou actos que imerecem.
A Pátria, sou eu, és tu
E não qualquer Belzebu.
Santos Oliveira
Ilha do Cômo/Guiné
17NOV64Etiquetas: A Pátria sou eu és tu..., Celebração de Amigos, Efemérides, Poemas de Guerra